por Lau Siqueira
A cultura brasileira tem uma característica básica. Concentra investimentos e olhares nos grandes centros urbanos. Nos grandes e milionários eventos. Alguns interessantes, mas a maioria cheia de altos e baixos. O benefício existe. A concentração do lucro, também. Mas, o prejuízo é enorme. Estamos no tempo das mobilizações de massa. Dos ídolos forjados pela mídia. A quantidade vai se sobrepondo a qualidade. Há um eminente desvio no olhar. As pedras preciosas estão longe da visibilidade coletiva. A grande mídia, no geral, optou pelo fácil. Pelo lucrativo. Pelo rebolado performático. Pela ostentação. O grotesco ganhou luzes e se impõe em produções milionárias. A massificação acabou criando um desastre social, ético, estético… Todavia, não nos enganemos. Nem tudo é lucro. Essa realidade tem um perfil eminentemente ideológico. A coerção da opinião pública e do gosto popular é símbolo de lucratividade e poder.
Enquanto isso a memória brasileira padece. Por exemplo, quem lembra das reivindicações da Coluna Prestes? Aliás, quem lembra que houve no Brasil uma cavalgada de jovens militares que percorreu 27 mil quilômetros? Uma das maiores marchas militares da história do mundo. A Coluna Prestes lutava contra o chamado “voto de cabresto”, pois o voto era dado na presença dos coronéis. Lutou pela obrigatoriedade do ensino primário para todos os brasileiros. Os “revoltosos”, como eram chamados, lutavam contra as estruturas oligárquicas da República Velha e eram tachados de “bandidos” pela mídia conservadora que, aliás, ainda apronta das suas. A mídia brasileira modernizou sua indústria, mas conservou seus métodos.
Pois bem: quando olhamos apenas para o que a mídia nos oferece; quando acreditamos apenas no que as “autoridades formais” dizem; quando acreditamos que existe um figurino para a inteligência, para a sensibilidade e até para a genialidade, em alguns casos; quando deixamos de perceber a grandiosidade das pessoas que nos cercam, perdemos a oportunidade de aprender com o que a vida nos presenteia. Talvez por isso a escritora americana Susan Sontag tenha dito com tanta propriedade: “precisamos ouvir mais, ver mais, sentir mais”. São os aprendizados do cotidiano que consolidam nossa personalidade e, não tenho dúvidas, a configuração da identidade cultural e do pertencimento. O reconhecimento das nossas raízes é que nos permite voar.
Há uns três anos conheci um cidadão chamado Chico Jó. Um ser pensante. Um historiador e agitador cultural do Vale do Piancó. Um homem essencialmente poético. Cheio de aridez sertaneja, mas também cheio de sensibilidade, solidariedade e humanidade. Coração imenso transbordando no solo seco. Foi dele a ideia de conceber um projeto de turismo cultural no traçado histórico da Coluna Prestes. Algo que há dez anos permaneceu apenas como uma ideia e que agora começa a tomar corpo como roteiro cultural, tendo a produção local como estratégia de desenvolvimento do turismo e da economia criativa no Sertão paraibano. Um projeto que se configura no estudo e no debate sobre a história e suas imersões futuras. Algo pensado para servir como instrumento de formação ética e intelectual das novas gerações.
Pois bem: Chico Jó é uma ave rara. Infelizmente pouco reconhecido na sua terra natal. Mas, isso nunca foi problema. É um exemplo de perseverança e doação às novas gerações. Um homem preocupado com o seu tempo. Uma alma inquieta que nem sempre traduz com palavras a imensidão de toda a sua história. Poucos se aperceberam disso. Sua carga de conhecimentos é tão imensa e o silêncio devastador instalado na hipocrisia das ruas é tão maior, que muitas vezes, talvez, ele próprio se confunda. Com mais de setenta anos, certamente Chico Jó não é um menino. No entanto, tem a alma leve, como a alma de uma criança. Uma alma fortalecida pela inesgotável esperança de ver “Piancó tremer”, como ele mesmo diz. Ou seja: ele tem consciência que durante décadas, dia após dia, minuto após minuto, fez o contraponto à mediocridade voluptuosa e generalizante do poder político. Mesmo tantas vezes aderindo estrategicamente.
Chico deveria ser mais ouvido. Deveria ser um consultor de princípios diante da canalhice disfarçada de elegância que não o reconhece. Aliás, a elite burra deste país não reconhece e nunca reconheceu seus grandes homens. Talvez depois da sua morte algum oportunista queira colocar seu nome em alguma rua. Nem precisa. Seu nome está escrito em cada esquina. Nas esculturas que concebeu para a Igreja. Nas laudas e laudas que taquigrafou gratuitamente para a Câmara de Vereadores. Nos projetos que, sem apoio algum, desenvolveu e desenvolve. Para concluir vou lembrar uma pequena história. Em Portugal, quando um certo poeta passava pelas ruas, sua tia dizia: “lá vai Fernando, o inútil”. Não sei o nome da tia, mas o poeta era ninguém menos que Fernando Pessoa. Não há indício de comparação nesta observação. Mas certamente expresso aqui a minha convicção que o prejuízo é grande quando a miopia domina e não nos permite ver a realidade. Por isso entendo que o olhar atento sobre o mundo é sempre uma atitude libertadora.
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